segunda-feira, 3 de outubro de 2011

DOIS NOMES DUAS VOZES
António Ramos Rosa | Antonio Gamoneda


António Ramos Rosa




António Ramos Rosa nasceu em Faro em 1924. É uma das grandes vozes da poesia portuguesa, foi distinguido em vários prémios literários.
A biblioteca de Faro tem o seu nome.


Nascimento último (pág.25)

Como se não tivesse substância e de membros apagados.
Desejaria enrolar-me numa folha e dormir na sombra.
E germinar no sono, germinar na árvore.
Tudo acabaria na noite, lentamente, sob uma chuva
densa.
Tudo acabaria pelo mais alto desejo num sorriso de nada.
No encontro e no abandono, na última nudez,
respiraria ao ritmo do vento, na relação mais viva.
Seria de novo o gérmen que fui, o rosto indivisível.
E ébrias as palavras diriam o vinho e a argila
e o repouso do ser no ser, os seus obscuros terraços.
Entre rumores e rios a morte perder-se-ia.



Dentro da Árvore (pág.17)

Por entre os ramos e as sombras sem tristeza
em claro e sonâmbulo vagar
mais baixo do que o dia com suas lâmpadas de espuma
em abóbadas de sombra entre o verde e a cinza.

Era a terra do sono e da solidão e da partilha
e a respiração da ausência. O destino
era próximo da mesa da folhagem, a sede
calma. E o sentido era um sonho
que se encarnava num flanco aberto.

Porque nascíamos em núpcias transparentes
com o ar adormecido num meio dia completo.
Porque no fundo escuro amávamos a altura verde
e recebíamos a frescura de uns dedos ignorados.


editora
in-libris
sociedade para a promoção do livro e da cultura





Antonio Gamoneda





Antonio Gamoneda nasceu em Oviedo (Astúrias - Espanha) em 1931. Reside em León desde 1934 onde dirigiu a Fundación Sierra-Pambley. É um poeta e crítico de arte de nacionalidade espanhola. Venceu o Prémio Cervantes em 2006 e é doutor honoris causa pela Universidad de León.



Aún | Ainda (pág. 78/79)

Hay una hierba cuyo nombre no se sabe; así ha sido
mi vida.

Vuelvo a casa atravesando el invierno: olvido y luz
sobre las ropas húmedas. Los espejos están vacíos y
en los platos ciega la soledad.

Ah la pureza de los cuchillos abandonados.
... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Há uma erva cujo nome não se sabe; assim foi a
minha vida.

Regresso a casa atravessando o Inverno: esquecimento
e luz sobre as roupas húmidas. Os espelhos estão
vazios e nos pratos cega a solidão.

Ah a pureza das facas abandonadas.



Sábado | Sábado (pág. 136/137)

Estoy desnudo ante el agua inmóvil. He dejado mi
ropa en el silencio de las últimas ramas.

Esto era el destino:

llegar al borde y tener miedo de la quietud del agua.
... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Estou nu diante da água imóvel. Deixei minha roupa
no silêncio dos últimos ramos.

Isto era o destino:

chegar à margem e ter medo da quietude da água.



antonio gamoneda
livro do frio

trad. de José bento
assírio & alvim
1999

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