domingo, 18 de dezembro de 2016

PRÉMIO LITERÁRIO MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE 2016

"Quantas Madrugadas Precisamos Para Fermentar Um Pão?"























ESCREVER

Escrever com os dentes
uma rara palavra.
O seu pólen, doce de areia.

Escrever com os dentes
a palavra sangue.
Louva-a-deus que nos reze –

a poesia estendida ao vento.



AVIÃO DE PAPEL

Dir-te-ei, amor, que tenho em mim vogais descascadas
por um frio que encontrei num avião de papel.
Perdi a memória numa folha branca
e agora não me importo que me leves para o amanhecer
de uma lágrima.
A morte também sobe pelas veias
e ao escrever-te as palavras sangraram.

Dir-te-ei que agora é o fogo dentro do coração,
lume que me aquece o pão de maio.
A vida começa onde morrem as estrelas
e tu acolheste-me nesse aconchego de palha e sal.
Amor, o sol ainda é um fruto vermelho
que amadureceu o barro de que é feito o meu corpo –
carne antiga despida de centauros
e resina de campos embriagados por aves solares.

Dir-te-ei, amor, que perdi as mãos. Já não rezarei contigo
porque a morte também sobe pelas veias
e ao escrever-te as palavras sangraram,
tristes palavras numa oração sem mãos.
Agora, amor, apenas um vento com areais,
sulcos de água e prados de fogo me consolarão o sangue,
tudo porque a morte também sobe pelas veias
e ao escrever-te as palavras sangraram.

Dir-te-ei, amor, que entrarei nesse avião de papel
e partirei para a água azul do meu corpo estendido
que o teu nome, amor, iluminou num dia de chuva.



MOINHO

Sei que a água que corre em teu dorso
fugiu de um monte alvorecido.

As mãos descansaram no teu ruído de água.
As mesmas mãos que comeram do teu pão
e beberam do teu suor amadurecido.

Nas tuas pedras, porém, ainda vive o frio
e a solidão dos gatos que ladram aos telhados.



SILÊNCIO

Muda palavra
de magnitude 9.9 na escala de Richter.



LUGAR

Sentei-me no branco muro
agora reconciliado com as sombras,
e vi o mundo partir
sem que eu lhe pudesse acenar.

Procurei os velhos pomares
onde aprendemos a beijar as maçãs
e a soprar pequenos ventos aos figos de mel.

Agora, as veias perderam sangue
e o rosto extinguiu-se nas ruas
onde o amor foi abandonado.

Não te sentes lá fora,
a chuva e a vida não tardarão em tuas veias.


Luís Aguiar